¿Existe una nueva clase media en Brasil?

Posted by Correo Semanal on sábado, abril 03, 2010


Reducción de la espectativa de movilidad social por aumento de la escolaridad


Valerio Arcary *


¿Disminuyó o no la desigualdad social en Brasil? La movilidad social es más intensa o no? ¿Se está formando una nueva clase media? ¿Cómo dicen los franceses, la puerta del ascenso social está abierta o cerrada? El tema alimenta una polémica en la cual no existen posiciones ingenuas. El argumento de este artículo es como el Brasil se transformó en una economía periférica de bajo crecimiento, perdiendo el principal factor de impulso de la movilidad social que existió hasta 1980.
Documento adjunto (en portugués)


* Profesor del IF/SP (Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología), y doctor en Historia por la USP (Universidad de Sao Paulo). Miembro de la revista Outubro y militante del PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado). Autor de "Las esquinas peligrosas de la Historia". Situaciones revolucionarias en perspectiva marxista. (Xamá, Sao Paulo, 2004) y "El encuentro de la revolución con la historia". Socialismo como proyecto en la tradición marxista. (Sundermann-Xamá, Sao Paulo, 2006).
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Existe uma nova classe média no Brasil?
Redução da expectativa de mobilidade social pelo aumento da escolaridade


Valerio Arcary, é professor do IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), e doutor em História pela USP.


Une porte doit être ouverte ou fermée (Uma porta deve estar aberta ou fechada)
Sabedoria popular francesa

O que tem de ser, tem muita força
Sabedoria popular portuguesa

Much ado about nothing (Muito barulho sobre nada)
Sabedoria popular inglesa


Diminuiu ou não a desigualdade social no Brasil? A mobilidade social está mais intensa ou não? Está se formando uma nova classe média? Como dizem os franceses, a porta da ascensão social está aberta ou fechada? O tema alimenta uma polêmica na qual não existem posições ingênuas. O argumento deste artigo é que, como o Brasil se transformou em uma economia periférica de baixo crescimento perdeu-se o principal fator de impulso da mobilidade social que existiu até 1980.
O crescimento médio real anual do PIB, por exemplo, nos 10 anos que vão de 1995 a 2004, período inicial de estabilização da moeda nacional foi de 2,4%. Entretanto, segundo informações disponíveis do IBGE, a população economicamente ativa (PEA) era estimada: em 1985, em 55,0 milhões; em 1990, 64,5 milhões; em 1995, 74,2 milhões; em 2000, 77,5 milhões, em 2010, 95,21 milhões. Isso mostra o dinamismo da expansão da força de trabalho disponível, e a necessidade de altas taxas de crescimento do PIB para reduzir o desemprego. A dimensão desse crescimento da PEA pode ser avaliada, plenamente, se compararmos os dados do Brasil com os da França: a ampliação da população ativa passou de 20 a 26 milhões no espaço de 40 anos, de 1950 a 1990, ou seja, cresceu 30%, enquanto no Brasil quase duplicou em 25 anos.
Os resultados só não foram piores porque o crescimento econômico desacelerou, em média, de 7% de crescimento ao ano, o que permitia duplicar o PIB a cada década, para uma média próxima a 3%, mas a taxa de fecundidade caiu ainda mais vertiginosamente, mantendo quase estável o PIB per capita. Em 1970 a mulher brasileira tinha, em média, 5,8 filhos. Trinta anos depois, esta média era de 2,3 filhos. Em 2006, era de 1,8. Segundo os estudos comparativos dos censos demográficos do IBGE a taxa de fecundidade era de 6,2 filhos em 1940, e uma queda acentuada aconteceu nos últimos 40 anos.
A desigualdade social é uma variável que procura medir a disparidade de condições econômico-sociais. O Radar Social, estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) confirma que 1% dos brasileiros mais ricos (1,9 milhão de pessoas) detém uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres (96,5 milhões de pessoas). A autodeclaração tem margens de erro significativas, se os dados não forem cruzados com outras fontes como o IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) e o IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) protegidos pelo sigilo fiscal, e se estes dados não forem conferidos com outros, como a CPMF (Contribuição Provisória de Movimentação Financeira), protegidos pelo sigilo bancário. Esta incerteza sempre foi grande para se avaliar a desigualdade no Brasil.
A tendência histórica não parece ter sido ainda revertida pelo crescimento entre 2004/08, porque, por exemplo, a evolução do PIB de 2009, sob o impacto da crise mundial, voltou a ser negativo, menos 0,2%. A estagnação econômica de longa duração se expressou na manutenção de um PIB per capita congelado ao longo de três décadas, embora em alguns anos tenham acontecido acelerações de pouco fôlego, o que não permite concluir que um período de crescimento sustentado tenha consistência. A perspectiva não será, portanto, a de um Brasil menos desigual e, politicamente, mais estável, mas a de um país socialmente mais rígido, economicamente mais vulnerável e, institucionalmente, mais incerto.

Uma nova classe média?
A formação de uma “nova” classe média foi alardeada pela mídia apoiada em um estudo feito por pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio: cem milhões de brasileiros teriam alcançado uma renda mensal de, pelo menos, R$1.115,00. O processo de elevação da renda da chamada classe C, cujos lares recebem de R$ 1.115 a R$ 4.807 por mês (em valores de fevereiro de 2010), precisa ser mediado pelo aumento da inflação do período, e repousa, em primeiro lugar, na diminuição do desemprego que veio com o aumento da atividade produtiva. O rendimento real médio, em fevereiro de 2010, foi R$ 1.398,90, segundo o IBGE. Mas a massa de rendimento real efetivo dos ocupados (R$ 30,4 bilhões) caiu 18,9% na análise mensal, e 5,2% na análise anual.
O aumento da capacidade de consumo de uma parcela dos assalariados mais pobres é uma boa notícia, mas é insatisfatório como demonstração da formação de uma nova classe média. A elevação do salário mínimo acima da inflação, a ampliação da acessibilidade ao crédito e a redução do desemprego – associados a políticas públicas, como o Bolsa Família - parecem ter sido os principais fatores do aumento do consumo das famílias entre 2004 e 2009. Mas é um abuso concluir, por analogia com outros períodos históricos, que a mobilidade social estaria mais intensa. O consumo de bens duráveis e semi-duráveis, como automóveis e eletro-eletrônicos, não é adequado para demonstrar que teria surgido uma nova classe média.
Um bom parâmetro, porque incontroverso, é recordar que o Brasil se manteve, em 2009, como um dos dez países com maior desigualdade social do mundo segundo o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) sobre o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em 177 países. O Brasil é o oitavo. Pior do que o Brasil estão apenas a Guatemala, e os africanos Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia, todos países, incomparavelmente, mais pobres. no Brasil 46,9% da renda nacional concentram-se nas mãos dos 10% mais ricos. Já os 10% mais pobres ficam com apenas 0,7% da renda. É importante acrescentar que o índice de Gini mede a diferença entre as rendas que remuneram o trabalho, portanto, não leva em conta as rendas do capital: juros e lucro, por exemplo. É, portanto, uma informação insatisfatória para avaliar toda a dimensão da desigualdade. O aumento do consumo foi circunstancial, porque o crescimento da economia brasileira entre 2004/08 não parece sustentável.
Por outro lado, a mobilidade social relativa no Brasil permanece muito baixa, porque os incentivos materiais ao aumento da escolaridade são hoje menores do que foram para a geração mais velha. Consideram-se duas taxas de mobilidade, a absoluta e a relativa, para avaliar a maior ou menor coesão social em um país. A taxa absoluta compara a ocupação do pai e a do filho, ou a primeira atividade de cada um com o último emprego de cada um. A taxa de mobilidade relativa confere em que medida os obstáculos de acesso a posições de emprego – ou oportunidades de estudo - que favorecem a ascensão social, puderam ou não ser superados pelos que estavam em posição social inferior.
No Brasil, tanto a taxa absoluta quanto a relativa foram positivas até 1980, mas a primeira foi mais intensa que a segunda. Em outras palavras, conhecemos uma intensa mobilidade social devido à urbanização, mas isso não fez do Brasil um país menos injusto, somente, menos pobre. O que explica esse processo é que as trajetórias de mobilidade social beneficiaram milhões de pessoas, mas muito poucos ascenderam de forma significativa. Muitos melhoraram de vida, ou subiram na hierarquia social, mas subiram, em geral, para o degrau imediatamente superior ao que seus pais ocupavam.

Crescimento ou diminuição da classe média?
A definição do que seria a classe média no capitalismo contemporâneo provoca grandes polêmicas sociológicas. O conceito se vulgarizou na linguagem coloquial com as ambições de ascensão social que tornaram preconceituoso ou até pejorativo o pertencimento à classe trabalhadora, e passou a ser usado, também, para classificar todos que, mesmo sendo assalariados, não realizavam trabalho manual.
O critério pode ser aferido pela posição no processo produtivo abraçado, grosso modo, pelo marxismo. A classe média, em perspectiva histórica, era composta por pequenos comerciantes, artesãos ou proprietários rurais. Sendo muito heterogêneos, podiam ser identificados como membros das classes médias, no plural, para ilustrar a diversidade de sua inserção social. Os marxistas ampliaram, todavia, a utilização do conceito de classe média para incorporar as novas camadas urbanas que se massificaram com a expansão dos setores de serviços que exigiam uma elevada escolaridade, as ocupações liberais.
Outras correntes metodológicas preferiram identificar a estratificação social usando critérios combinados de renda familiar, escolaridade e consumo. São essas pesquisas que pretenderam identificar uma nova classe média em função do aumento do consumo que acompanhou o crescimento econômico, entre 2004 e 2008, e a expansão do crédito, sobretudo, na modalidade de crédito consignado. Estima-se classe média, nesse critério, famílias que correspondem a cerca de 52% da população. A classe C, outras das denominações da nova classe média, cresceu, entre dezembro de 2002 até abril de 2008, 24,55%, equivalendo a 53,81% da população brasileira. Já as outras classes encerraram 2008 com a seguinte representatividade: E (17,38%), D (13,18%) e AB (15,33%), sendo que esta última, ao contrário da classe C, começa a sentir os efeitos da crise, caindo 0,65% nos últimos meses de 2009, enquanto em 2007 e 2006 apresentou aumentos superiores a 3%.
A classe média dos países centrais se constituiu, majoritariamente, a partir de pequenos proprietários rurais. Ela foi importante para que mercados internos ganhassem escala. A concentração da propriedade da terra no Brasil foi, historicamente, um obstáculo para a formação de uma classe média de agricultores, com poucas exceções. Entre elas, a experiência dos colonos de origem européia no Rio Grande do Sul foi a mais significativa. A maioria da classe média brasileira foi beneficiada, na segunda metade do século XX, por três processos que acompanharam a urbanização: (a) a industrialização tardia e acelerada levou à formação de dez grandes regiões metropolitanas, com pelo menos um milhão de habitantes, e a demanda por habitação impulsionou a valorização exponencial dos imóveis urbanos; (b) o atraso cultural e baixíssima escolaridade da maioria do povo, em condições de crescimento econômico, potencializaram uma enorme desigualdade entre os salários do trabalho manual, e os salários dos setores médios mais instruídos; (c) o crescimento econômico impulsionou a formação de um mercado interno que, em especial no setor de serviços, foi atendido por pequenas empresas. Resumindo: patrimônio valorizado, escolaridade mais alta, e oportunidades de negócios, no marco de um processo de urbanização que, durante meio século, permitiu uma situação de pleno emprego, foram os fatores mais significativos para a formação da classe média brasileira.
O tema tem grande importância porque a aspiração de uma ascensão social por via individual é um elemento de conservação da ordem social e política. A existência de uma classe média constituída por via meritocrática, ou seja, pelo aumento de escolaridade, foi um fator importante de estabilidade dos regimes democrático-liberais nos países centrais no pós-guerra, porque produziu uma aproximação das classes médias das classes proprietárias, e um isolamento social do movimento operário e sindical. A expectativa de uma mobilidade social relativa atraiu os setores médios para a defesa da ordem político-social, e exerceu poderosa pressão das ideologias de classe média – como a promessa meritocrática - sobre os trabalhadores.
A ascensão social por via da mobilização coletiva pela extensão de direitos, a luta de classes, foi mantida em níveis baixos de conflitividade enquanto a mobilidade social individual se manteve alta. Em contrapartida, sociedades urbanizadas com grande rigidez social foram, politicamente, instáveis, porque a crise social assumiu formas crônicas e potencializou uma luta de classes radicalizada. Uma situação revolucionária só foi possível quando a indignação dos setores médios se uniu à disposição de luta dos trabalhadores e provocou a divisão da burguesia. A mobilidade social relativa foi um dos fatores objetivos da estabilidade dos regimes democráticos.

Duas tendências contraditórias?
Os dados disponíveis (estudos do IPEA, e da PNAD de 2008 do IBGE) informam dois indicadores que são, aparentemente, desconcertantes. As Pnad’s (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que, entre 2001 e 2004, a renda dos 20% mais pobres cresceu cerca de 5% ao ano, enquanto os 20% mais ricos teriam perdido 1%. Essa dinâmica se acentuou entre 2004 a 2009. Por outro lado, a participação proporcional dos salários sobre a riqueza nacional continua descendente, o que é claramente regressivo, acentuando a desigualdade entre proprietários de capital e assalariados. O total pago na forma de salários como proporção do PIB era, em 1995, superior a 35%, enquanto, as rendas do capital eram um pouco superiores a 31%. Dez anos depois, em 2005, as posições se inverteram. A proporção do total de salários no PIB é inferior a 31%, enquanto, a proporção das rendas do capital está quase alcançando 36%.
Vinte mil clãs familiares se apropriam de aproximadamente 70% dos juros que o governo paga aos detentores dos títulos da dívida pública. Pode-se supor que um clã familiar seja formado por um conjunto de 50 pessoas: avôs, avós, pais, mães, tios, cunhados, cunhadas, sogros, genros, noras, sogras, primos, primas, irmãos, irmãs e bebês. Fica fácil fazer a conta para saber quanto cada membro de um desses clãs ganhou por mês, em média, em 2006. Neste mesmo ano, foram destinados pela União ao pagamento de juros da dívida interna mais que R$ 152 bilhões. Somente desta fonte, cada rentista rico embolsou, por mês, R$ 8.873,38 de renda bruta.
Estas tendências não parecem ter se acentuado, em função da queda da remuneração dos rentistas que resultou da queda da taxa de juros que regula a dívida interna, mas não se inverteram. A explicação para a redução das desigualdades entre os assalariados parece estar nos programas de distribuição de renda como, por exemplo, a valorização do salário mínimo, a cobertura mais universal da aposentadoria do INSS, e o Bolsa Família. Estes foram os fatores objetivos que explicariam a estabilidade social a partir dos anos noventa, em contraste com a radicalização social dos anos oitenta. Os fatores subjetivos, talvez, não menos importantes, remetem à integração da defesa do regime democrático e sua institucionalidade das organizações sindicais e políticas mais influentes entre os trabalhadores, que culminou com a eleição de Lula à presidência e a cooptação da CUT.
Mas, ainda assim, o tema permanece controverso, porque existem outras três variáveis a serem consideradas, quando pensamos as pressões objetivas que condicionam a maior ou menor desigualdade social: (a) a permanência de uma taxa de desemprego, estruturalmente, alta (acima de 5% da PEA) e com uma parcela ainda significativa de trabalhadores sem carteira assinada (por exemplo, 20% de 1 milhão de trabalhadores do comércio na cidade de São Paulo, em 2008); (b) a elevadíssima rotatividade da mão de obra – entre 10 e 15 milhões de demissões por ano - que sugere uma exigência de maior escolaridade e especialização da mão de obra do trabalho manual; (c) uma subnotificação da renda da riqueza: rendimentos financeiros no Brasil e no exterior, ou aluguéis, por exemplo.
As informações disponíveis são contraditórias porque sinalizam tendências, aparentemente, antagônicas. Mas, na realidade, não são. A questão de fundo que deve organizar o debate sobre a desigualdade social é a estagnação de longa duração do capitalismo periférico. A disparidade de renda entre os assalariados – as diferenças entre o salário médio do trabalho manual, o salário médio de trabalhadores em funções de rotina, e o salário médio dos assalariados com nível superior -, veio diminuindo nos últimos quinze anos. Os assalariados têm uma remuneração menos heterogênea que uma geração atrás. Em resumo, a desigualdade entre os salários veio sendo reduzida.
Este processo revela dinâmicas econômico-sociais contraditórias, embora não sejam inusitadas: a elevação do piso da remuneração do trabalho manual é positiva, expressando, provavelmente, uma maior demanda por mão de obra especializada, e as pressões indiretas do aumento do salário mínimo e mesmo do Bolsa-família. A queda do piso dos assalariados com elevada escolaridade, contudo, pode ser considerada como regressiva (porque desestimula a busca de escolarização), sinalizando pressões deflacionárias que derivam da estagnação econômica, associadas ao aumento da oferta da mão de obra com titulação superior.
A recuperação econômica, entre 2004 e 2008, teve efeitos positivos sobre a renda média das famílias. O Relatório Mundial sobre Salários 2008/2009 da OIT informa que, se considerarmos o aumento do nível salarial médio, a América Latina e Caribe foi a região que registrou a média mais baixa de aumento, 0,3% ao ano, mesmo percentual registrado no Brasil no mesmo período. No entanto, a redução da diferença entre o salário médio dos trabalhadores manuais, dos assalariados em atividades em funções administrativas de rotina, e dos assalariados com nível superior e responsabilidades de gestão intermediária parece ser uma tendência consolidada. Essa redução da diferença de remuneração entre os salários médios do trabalho manual, e os salários médios do trabalho com maior escolaridade, sinaliza uma queda da mobilidade social relativa, que não pode deixar de ter consequências.

Mobilidade social menor através da educação
A mobilidade social relativa através da educação foi um fator de coesão social do capitalismo brasileiro. A coesão social dependeu, essencialmente, do crescimento econômico que levou a formação da moderna classe trabalhadora urbana. O lugar da educação como instrumento de ascensão social foi, entretanto, muito valorizado pela classe média brasileira, que se destacou pelo esforço de garantir a elevação da escolaridade para seus filhos. Durante meio século, entre 1930/80, o aumento da escolaridade foi um importante fator de ascensão social. A educação era um dos elevadores para aceder á classe média. Os incentivos materiais para buscar uma educação superior foram muito importantes. A recompensa econômica na forma de salários, pelo menos, dez vezes maiores do que o salário mínimo, era suficiente para justificar os sacrifícios.
Formou-se uma vibrante nova classe média – em muitos casos sem herança patrimonial significativa - de engenheiros, médicos, advogados, arquitetos e, também, professores, administradores públicos e privados, etc. No Brasil, este esforço social de aumento da escolaridade foi financiado tanto pelas famílias como pelo Estado. As famílias assumiram os gastos da educação básica e o Estado, pelo critério meritocrático, da educação superior, porque as melhores universidades continuaram sendo públicas e gratuitas. Desde o século XIX, as sociedades urbanizadas secundarizaram o papel das Igrejas, portanto, da caridade na educação, e os custos de uma maior escolaridade foram divididos entre o Estado e as famílias. Segundo os dados divulgados pela Unesco, para o ano de referência de 2005, existem as mais díspares situações. De um lado a Dinamarca, por exemplo, os investimentos públicos para a educação universitária correspondem 96,7 e gastos das famílias a 3,29%%. No outro extremo, o Chile, os números são, respectivamente, 15,46% e 83,67%. Em Portugal, os custos são divididos entre 86% para o estado e 14% para as famílias. Nos Estados Unidos as proporções são 35,38% e 35,14%, e outros 29,47% são os custos absorvidos por outras entidades privadas, como variadas fundações. No México 68,87% e 30,64%.
Os investimentos públicos em educação, proporcionalmente ao PIB, continuaram, contudo, modestos, mesmo quando comparados com outros países periféricos. Esse quadro desolador não se alterou com o fim da ditadura, embora tenha ocorrido uma pequena melhora nos últimos anos. O percentual do investimento público total na educação em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) aumentou nesta década, mas teve grandes oscilações, porque entre 2000 e 2005 caiu de 4,7% para 4,5% e, a partir de 2006, subiu para 5,1%. Segundo o estudo Education at a Glance, da Unesco, publicado em 2009, Portugal investe 5,6%, acima da Espanha, com 4,7%. A média da OCDE é de 5,7%. A Islândia gasta 8% do PIB na educação. Dinamarca, Coréia e Estados Unidos também ultrapassam os 7%.
Os sacrifícios da classe média para garantir uma educação superior de qualidade para os seus filhos foram muito grandes, porque significaram financiar o ensino básico em escolas particulares, em função do funil seletivo dos exames de acesso às universidades públicas. O setor de educação privada expandiu e passou a ter uma expressão significativa sobre o PIB, a partir dos anos setenta e oitenta do século XX.
A classe trabalhadora, contudo, teve muito mais dificuldades para se beneficiar do aumento da escolaridade, portanto, da mobilidade social relativa. O orçamento doméstico da maioria das famílias proletárias não podia garantir as mensalidades do ensino privado. Permaneceu atendida pela matrícula de seus filhos na escola pública primária e secundária, porque a maioria da geração adulta já considerava uma vitória o simples aumento de escolaridade além daquela que tinham tido oportunidade. Essas expectativas parecem estar se alterando, talvez, se invertendo.
A exigência de escolaridade mais elevada para fugir do desemprego explica o esforço de garantir, entre os trabalhadores, o acesso aos cursos pós-secundários de tecnologias ou mesmo universitários para a geração mais jovem. O desemprego passou a ser um incentivo para os filhos dos trabalhadores não abandonarem a escola quando entram no mercado de trabalho, aumentando a demanda de ensino noturno e, também, a demanda de vagas no ensino superior. Mas a esperança entre a classe média de que uma escolaridade superior poderia ser um impulso para ocupações melhor remuneradas, parece estar diminuindo. Esse desânimo não é infundado: há algumas décadas o salário médio dos assalariados com nível superior vem em queda lenta. Não fosse isso o bastante, cerca de 80% dos brasileiros com cursos superiores completos trabalham em atividades diferentes, e até, distantes, de sua formação profissional.
O salário médio nacional permaneceu estagnado no Brasil entre 2002 a setembro de 2008. A evolução histórica do salário médio das ocupações com nível superior, quando não permaneceu estacionária, veio declinando. A pesquisa mensal de emprego do IBGE de março de 2009 nas seis maiores regiões metropolitanas revelou que o salário médio da população que se autodeclarou como branca, com escolaridade de 9,1 anos, foi de aproximadamente R$1.600,00. O da população que se autodeclarou como parda ou negra, com escolaridade média de 7,6, foi de R$800,00. A média nacional foi de R$1,200,00. As curvas evolutivas dos salários médios entre 2002/2009 foram muito semelhantes.
O paradoxo parece intrigante. O crescente desalento da classe média sugere que as recompensas materiais pelo aumento da escolaridade já não compensariam os sacrifícios para garantir uma escolaridade superior. Dois fenômenos muito regressivos, socialmente, dos últimos vinte e cinco anos – que correspondem à estagnação econômica de longa duração e, paradoxalmente, à estabilização democrática, estiveram associados: a emigração para o exterior e o aumento da população carcerária.
O Brasil possui a oitava maior população carcerária do mundo por habitante. Estima-se que em 2010 a população carcerária esteja próxima de meio milhão. O número de presos aumentou consideravelmente nos últimos quinze anos. Dados revelados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostram que, em 1995, eram 148.760 mil presos no país. Segundo os dados consolidados, até junho de 2007, havia 419.551 mil detidos em penitenciárias e delegacias. Em 1995, a proporção era de 95 presos para cada 100 mil habitantes. Hoje, esse número aumentou e chega a 227 presos para cada 100 mil habitantes. Os dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública apontam que cerca de 500 mil mandados não foram cumpridos, o que dobraria a população carcerária.
A emigração de alguns milhões de brasileiros para os países centrais – entre eles, uma maioria com escolaridade acima da média nacional - parece confirmar esta tendência. Os principais países de destino da emigração brasileira são os EUA, o Paraguai (sobretudo nos anos 70 e 80), a União Européia e o Japão. Embora não existam números confiáveis, sobretudo pela intensa migração irregular, os dados do Ministério das Relações Exteriores estimam em 3 ou 4 milhões. O peso demográfico da emigração pode ter alcançado uma dimensão entre 3% e até 5% da PEA, uma proporção inferior à maioria dos países sul-americanos, mas inusitada na história do Brasil. A grandeza deste processo pode ser aferida pelo significado econômico das remessas dos brasileiros para as suas famílias, e pelo peso da entrada das divisas sobre o balanço de pagamentos do país.
As taxas de mobilidade social absoluta e relativa diminuíram, se compararmos o período histórico 1980/2010 como o período anterior 1930/1980. Durante meio século, entre 1930 e 1980, o Brasil conheceu uma mobilidade social absoluta significativa, comparativamente, à situação atual. Esse processo foi possível em função da acelerada urbanização que permitia a absorção massiva de mão de obra analfabeta ou semi-alfabetizada pela indústria. A mobilidade social relativa foi menor que a absoluta, mas foi, também, expressiva, entre 1930/80, embora, essencialmente, restringida à classe média.
Esse processo dos anos 1930/80 é chave para compreendermos a crise atual, porque foi excepcional. O padrão histórico dominante na história do Brasil foi outro. O Brasil agrário era uma sociedade de desenvolvimento econômico lento, grande rigidez social e espantosa inércia política. Durante muitas gerações os antepassados da maioria esmagadora do povo brasileiro foram vítimas da imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os que nasciam filhos de escravos, não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os filhos dos sapateiros já sabiam que seriam sapateiros. Os filhos dos médicos, ou engenheiros, ou advogados, mesmo se não tivessem propriedades, poderiam, em contrapartida, aspirar uma inclusão nos meios burgueses.
No entanto, a memória histórica que o período 1930/80 deixou como repertório cultural de experiência de duas gerações de brasileiros permanece viva na mentalidade da geração adulta atual. É compreensível que a expectativa de que ainda sejam possíveis, mesmo nos limites do capitalismo, reformas distribuidoras de renda, sem conflitos sociais agudos, seja tão poderosa. Não deveria surpreender, portanto, que as esperanças reformistas – a expectativa, incontáveis vezes frustrada, mas renovada, de uma concertação social que garanta pleno emprego, reforma agrária, aumento da escolaridade com expansão da rede pública, elevação do salário médio, etc. - sejam tão resistentes.
Na avaliação do sentido histórico da evolução social não há lugar para inocentes políticos. Se a mobilidade social absoluta e relativa voltasse a ser significativa, a perspectiva de ascensão social pelo esforço individual, sem maior luta de classes, ganharia maior credibilidade. Se a aspiração de uma recompensa pessoal do esforço pela via meritocrática do aumento da escolaridade tivesse confirmação, a perspectiva de uma mudança pela mobilização coletiva ficaria mais desacreditada.
Não parece ser esse o processo que estamos vivendo. A mobilidade social absoluta, à exceção de fenômenos regionais localizados, se perdeu com a estagnação econômica. A ampliação dos benefícios da assistência social permitiu a redução da miséria, mas a oferta de empregos, mesmo durante o último ciclo de expansão, não aumentou o salário médio, nem reduziu a rotatividade da mão de obra. A mobilidade relativa através da educação ficou mais difícil. Não está surgindo uma nova classe média. O que está ocorrendo é a proletarização da velha classe média.